A Prefeitura de Americana (SP) afirmou, na noite desta terça-feira (14), que o laudo da necropsia no corpo do leão Nagan apontou que o animal morreu de câncer no fígado. O falecimento do felino de 24 anos, que vivia no Parque Ecológico da cidade, causou revolta em veterinários e ativistas dos direitos dos animais.
O laudo foi assinado pela patologista Josemara Neves Cavalcanti. Segundo a prefeitura, a médica veterinária relatou que o fígado estava cerca de 80% prejudicado, “o que causou uma descompensação aguda do seu quadro clínico”. A íntegra do documento não foi divulgada pela prefeitura.
Apesar do quadro no fígado, o leão estava estável e sem apresentar sintomas, afirmou a prefeitura. “Conforme referências relatadas no texto, raramente se observam sinais clínicos dessa doença, assim como também são raros os relatos de sua ocorrência”.
Porém, veterinários que acompanharam a necropsia relataram para a BBC que o leão estava desnutrido e bastante debilitado, além de ter vários tumores espalhados pelo corpo e feridas infestadas por larvas de moscas.
Nagan morreu no dia 31 de dezembro de 2022. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, a expectativa de vida para leões em cativeiro é de 24 anos.
A Prefeitura afirma que, justamente pela idade de Nagan, tanto ele quanto a leoa Menina, de 20 anos, sempre receberam cuidados especiais de toda equipe de profissionais do Zoo (tratadores, veterinários e biólogos), desde alimentação até o monitoramento do seu estado de saúde.
Suspeitas de negligência
A consultora e ativista Mirella Cecchini contou à BBC que se mudou para uma casa vizinha ao zoológico de Americana em 24 de outubro do ano passado, quando começou a ouvir um leão rugindo.
“Até aí, normal. Mas ele rugia o dia inteiro, das 5h da manhã à meia-noite, sem parar. Achei esquisito e resolvi procurar o zoológico”. Segundo ela, uma veterinária do estabelecimento respondeu que estava tudo bem com Nagan.
“Ela me disse que ele estava bem de saúde e que rugir o dia todo era normal para um leão idoso, como se fosse um gatinho. Ela disse que ele recebia a melhor alimentação do mundo, que estava tudo de acordo com as normas do Ibama e pediu que eu ficasse tranquila”, conta Mirella.
Desconfiada, a ativista decidiu voltar ao zoológico em 21 de dezembro. “Quando o vi, fiquei sem palavras com a situação. Ele estava muito magro, desnutrido, só pele e osso. Ficou um tempão deitado, sem se movimentar, sem força. Mal conseguia andar, às vezes se arrastava”.
As imagens do animal, feitas por Mirella no dia 21 de dezembro, foram divulgadas nas redes sociais, gerando comoção e revolta entre ativistas da causa animal. Ela conta ter procurado a prefeitura no dia 21 de dezembro. Alguns funcionários disseram para ela não se preocupar, e que Nagan estava bem.
No entanto, poucas horas antes da virada do ano, ela soube que o leão tinha morrido. Aconselhada por ativistas e veterinários, Mirella decidiu procurar a Justiça para tentar descobrir o que tinha acontecido.
Ela, a veterinária Priscilla Sarti e a Associação Protetora dos Animais de Americana entraram com uma ação pedindo que a necropsia do animal não fosse realizada por técnicos da prefeitura.
“Para mim estava claro que a necropsia deveria acontecer na USP, que é uma universidade pública com muita experiência nesses procedimentos com grandes felinos”, explica Sarti, que é especialista em felinos silvestres.
O juiz André Pereira de Souza, que estava de plantão, decidiu que não era necessário levar o corpo para a USP, mas que o procedimento só poderia ser realizado com acompanhamento da veterinária.
A necropsia ocorreu no dia 10 de janeiro no hospital veterinário da Faculdade de Americana (FAM). Quando entrou na sala, Sarti percebeu que o corpo de Nagan já havia passado por procedimentos: a cabeça e duas pernas tinham sido removidas.
“Já achei esquisito o corpo ter sido modificado antes da necropsia, porque isso poderia alterar o resultado do exame”, diz.
O diretor técnico do hospital veterinário da FAM, Jorge Salomão, afirmou à reportagem da BBC que o corpo foi modificado por funcionários da prefeitura. “O que disseram para a gente foi que a cabeça e os membros foram retirados para caber no freezer do zoológico”, disse.
A veterinária Priscila Sarti, que acompanhou o procedimento, afirmou à BBC que o estado de Nagan “era chocante”.
“Ele tinha um tumor na boca e outro na mandíbula, ambos visíveis. Havia vários cistos no fígado, um deles do tamanho de uma mão. O queixo e parte do pescoço tinham sido comidos por larvas de moscas, as chamadas bicheiras. Dava para ver a musculatura. Ele estava tão magro que não tinha gordura, era pele e osso”, explica.
A prefeitura afirma que, segundo documento assinado pelo médico veterinário do Parque Ecológico, Everton dos Santos Cirino, o exame necroscópico identificou uma lesão tumoral na região cervical que se trata de um carcinoma sebáceo. Havia, ainda, uma neoformação de glândula sebácea, enquanto a glândula tireóide apresenta um processo folicular.
“Os demais órgãos apresentam alterações compatíveis com o desgaste pela idade avançada do animal”, completou o profissional.