Cores neutras, peças atemporais, looks confortáveis e que requerem pouco esforço na hora de montá-los. Estas são algumas das características do Recession Core, tendência que despontou nesta temporada. O estilo tem, sim, a ver com a recessão econômica, mas não apenas isso.
Expressão em alta
A tendência Recession Core é baseada em “recessão” e, sim, é um reflexo do cenário econômico mundial. Pós-pandemia e pós-lockdown, alto custo de vida, inflação, crises políticas e a guerra na Ucrânia influenciaram este novo estilo.
A palavra “Core” tem sido usada na moda para designar uma estética, um gênero. Logo, Recession Core seria algo como a “estética da recessão”.
“No ano passado, muito se falou da crise do custo de vida. Principalmente na Europa, que historicamente não tem problema com inflação como a gente no Brasil”, diz Sofia Martellini, especialista em tendências de moda da empresa WGSN. “A gente vê as pessoas entrando em recessão mesmo, gastando menos.”
Uma pesquisa feita pela McKinsey & Company, empresa de consultoria americana, apontou que os executivos do mercado da moda preveem que a inflação vai fazer aumentar custos, como valores do algodão e da caxemira, e que o aumento no preço dos produtos vai levar os consumidores a gastarem menos ou procurarem opções mais em conta.
Este cenário abre espaço para uma reinvenção da roupa formal e um visual de gênero mais fluído: peças discretas e atemporais, cores neutras, confortáveis, porém elegantes.
O estilo vai na contramão do que a gente estava vivendo antes, durante o pós-pandemia e pós-lockdown, que era o “dopamine dressing”, na tradução livre, “se vestir de dopamina”. Essa ideia remete a brincar com a moda, divertir-se na hora de se vestir, apostando em cores vibrantes e alegres.
Um artigo sobre o tema publicado no site especializado em comportamento Refinery 29, no início do ano, ainda completa: Recession Core é um estilo com poucos acessórios, em que repetição de peças é permitida, os cabelos aparecem menos montados e a maquiagem é mais natural e funcional.
Luxo silencioso
Outra expressão que anda lado a lado com o Recession Core é Quiet Luxury, o “luxo silencioso”, em tradução livre. Segundo Sofia, ambos são similares e consequência do mesmo contexto de crise. “Mas o Quiet Luxury é obviamente extremamente sofisticado.”
De acordo com a especialista, este movimento já emergia na pandemia e se intensificou depois das previsões de crise econômica.
“A gente vê pessoas que não são tão afetadas por essas crises, normalmente pessoas de classes sociais bem elevadas, aderindo a este comportamento de não querer ostentar tanto o dinheiro”, diz Sofia. “Era o que acontecia durante a pandemia: não ficou de ‘bom tom’ ostentar.”
Um dos retratos deste comportamento mais discreto do Quiet Luxury tem sido visto nos tapetes vermelhos das premiações e premieres, como o Globo de Ouro e o Oscar: as artistas estão usando menos aqueles colares ostensivos, comuns para essas ocasiões.
Recession Core e Quiet Luxury se convergem na escolha dos itens, discretos, atemporais e com acessórios pontuais.
“A principal característica são, de fato, os materiais de altíssima qualidade. São peças que foram feitas para durar e até para passar de geração para geração”, diz Sofia.
O que a gente vai ver nas ruas?
A primeira coisa que muda em relação às tendências anteriores são as cartelas de cores. O Brasil é conhecido por usar roupas bem coloridas, com estampas, e Sofia afirma que isso ainda pode aparecer. No entanto, ela diz, nas lojas de departamentos e fast fashion, a tendência são cores como o bege e o cinza.
As peças são mais confortáveis, com cara de dia a dia, mais práticas, e ainda dão uma certa garantia que, dentro de uma recessão econômica, podem ser usadas durante um ou dois anos.
Esta tendência pôde ser observada nos desfiles das semanas de moda, como Chanel, Gucci e Miu Miu ainda que estes sejam voltados para o mercado de luxo.
“O da Miu Miu, por exemplo, foi muito mais para o Recession Core: legging, moletom com jaqueta por cima. São itens usáveis, tem o conforto. São peças mais ‘pé no chão’.”
Tendência de TikTok
Outro motivo que fez o Recession Core e o Quiet Luxury a entrarem nos holofotes das tendências foram as redes sociais, em especial o TikTok. “Além do contexto econômico, no ano passado tivemos um pico de microestéticas e microtendências, saídas do TikTok”, afirma Sofia.
Pipocaram uma onda de “cores” – Barbie core, Clown Core, Fairy Core, Witch Core, entre outros – que sumia não muito tempo depois. “As pessoas estavam se sentindo um pouco perdidas. Aí, a gente vê uma tendência que é muito mais atemporal e muito mais fácil de vestir”, diz Sofia.
“Essa tendência [o recession core] acaba sendo uma resposta disso tudo: as pessoas querem se sentir mais seguras de que aquelas peças vão poder ser usadas por bastante tempo.”
Pé no minimalismo?
Ainda que o look do Recession Core seja mais minimalista, de poucos acessórios e itens mais conservadores e duradouros, não significa que estejamos adotando um estilo de vida minimalista também, e consumindo menos.
“É complicado falar que que estamos consumindo menos só porque o nosso guarda-roupa é mais tranquilo. Quando a gente vê dados de varejo não é necessariamente assim. Tem empresas vendendo mais, tem empresas vendendo menos. No TikTok nunca se falou tanto em tendências, em moda, por pessoas que não são da área.”
Segundo ela, existe uma parcela dos consumidores que estão mesmo mais consciente na hora da compra. Para outra grande parcela este comportamento não se aplica. Ela explica que para estes consumidores a relação com esta tendência é como qualquer outra, que pode ser substituída, e não seria adotada como estilo de vida: assim que outra novidade vier, esta já não faz mais sentido e todo o look será trocado.
Estilo para quem?
A pesquisadora ainda frisa que a alta do Recession Core não tira outras tendências de cena. Nem mesmo o Quiet Luxury elimina a ostentação. “Isso sempre vai acontecer. As coisas acontecem ao mesmo tempo.”
“O próprio Barbie Core é um bom exemplo. Explodiu no ano passado como termo. Agora saiu o trailer e vai sair o filme em julho, com isso, a gente vê que o Barbie Core ganhou um gás a mais.”
“A diferença é que, em paralelo, a tendência do Recession Core, que vai na direção oposta, chega com muita força. Tanto esta, quando o Quiet Luxury, são expressões do momento, todo mundo está olhando para isso, mas não é necessariamente só isso que acontece.”
Sofia ainda explica que esta tendência pode até mesmo perder apelo rapidamente com a geração Z, por exemplo, já que essa turma busca mais a individualidade na hora de se vestir.
“O Recession Core é muito mais uniformizado, todo mundo fica mais parecido. Óbvio que alguns podem aderir a esta linha, mas é muito mais uma tendência para uma geração millennial ou até a geração X do que para a Z”, diz. “É o millennial se assumindo enquanto adulto, buscando roupa confortável e querendo ser elegante.”