Após quase duas décadas de espera, o executivo Bernardo Hartogs acredita que está chegando um momento histórico na sua vida.
O brasileiro de 67 anos radicado em Londres está na lista para viajar como turista espacial pela Virgin Galactic, empresa que começou a oferecer voos espaciais comercialmente.
O foguete Unity, da Galactic, vai começar a levar a partir de agosto as mais de 800 pessoas que já compraram ingressos para fazer turismo espacial.
Hartogs está no grupo de “fundadores” — as primeiras pessoas que compraram ingressos, em 2005. São pouco mais de 40 pessoas que há 18 anos aguardam a oportunidade de ir ao espaço sem a necessidade de treinamentos pesados, como fazem os astronautas.
A previsão inicial da Virgin era de que os primeiros voos aconteceriam em 2008.
Mas o projeto sofreu inúmeros percalços ao longo do tempo — inclusive um acidente com um veículo de testes em 2014 que matou um piloto. Os custos e prazos do projeto foram muito maiores do que o previsto inicialmente.
Na semana passada, o avião-foguete Unity, da Virgin Galactic, finalmente iniciou suas operações comerciais.
O veículo sobrevoou o deserto do Novo México na quinta-feira (29/6) com três pesquisadores italianos a bordo, que conduziram experimentos científicos em condições de baixíssima gravidade.
Ficha 30
Hartogs conta que ao longo das décadas, a Virgin Galactic sempre se manteve em contato praticamente semanal com os chamados “fundadores”.
Ele fez treinamentos, viajou algumas vezes ao deserto de Mojave, nos EUA, e já conversou algumas vezes com o bilionário Richard Branson — o CEO do grupo Virgin e idealizador do voo espacial comercial.
Agora que os voos finalmente começaram, Hartogs conta que foi sorteado com o número 30 na lista de pessoas a irem para o espaço. Cada voo carrega quatro passageiros e dois pilotos — e acredita-se que haverá um voo por mês.
O brasileiro calcula que sua vez de ir ao espaço chegará entre abril e junho de 2024.
A partir de 2026, com ajuda de novas tecnologias que estão sendo desenvolvidas, a Virgin quer aumentar a frequência de voos para uma vez por semana.
Hartogs diz que seu entusiasmo com a perspectiva de viajar no foguete não diminuiu ao longo dos anos.
“Vou sair fora da atmosfera do nosso planeta, que deve ser uma sensação inimaginável”, disse Hartogs à BBC News Brasil.
O executivo do mercado de petróleo tinha menos de 50 anos quando comprou seu ingresso. Ele descobriu a possibilidade de voar para o espaço como turista por acaso. Sua filha era amiga de infância de um dos executivos da Virgin. Um dia, em um café, o executivo contou a Hartogs sobre os planos pioneiros da empresa.
“Ele disse: ‘Estamos planejando enviar pessoas ao espaço. E você pode comprar um ingresso de fundador. Quem pagar agora, poderá estar entre os primeiros a viajar.’ Ele me mandou um DVD, que eu olhei em casa. Logo depois, eu telefonei para ele e disse: ‘Eu compro’.”
Hartogs gosta de velocidade e aventuras. Ele possui uma coleção de carros antigos de Fórmula-1 — Lotus-15, Lotus 18, Alfa Romeo e Ford GT 40 — e costuma pilotar esses modelos antigos em circuitos como Silverstone e Monza.
No solo, esses carros superam velocidades de 200 quilômetros por hora — mas, no foguete, Hartogs viajará a uma velocidade próxima a Mach 3, ou seja, mais de 3 mil quilômetros por hora (ou três vezes a velocidade do som).
O Unity é um veículo suborbital. Isso significa que ele não pode atingir a velocidade e a altitude necessárias para ficar em órbita, ou seja, se manter no espaço e circundar o globo.
O Unity é primeiro transportado por um avião muito maior a uma altitude de cerca de 15 km (50 mil pés), de onde o foguete é lançado. Um motor na parte traseira do Unity é então acionado.
A altura máxima alcançada pelo Unity é de aproximadamente 90 km (295 mil pés).
Em pouco tempo, a gravidade puxa o veículo de volta à terra. Mas a espaçonave foi projetada para oferecer aos passageiros vistas deslumbrantes no topo de sua subida e permitir que eles experimentem a ausência de gravidade por alguns minutos.
Os passageiros podem desafivelar o cinto para flutuar até uma janela, antes que o avião estabilize sua queda e deslize de volta para a terra.
Amadurecimento
Hoje aos 67 anos, ele conta que essas quase duas décadas de espera serviram apenas para amadurecer ainda mais sua convicção de ir ao espaço — e também ajudaram a convencer seus familiares, que inicialmente tinham receios sobre a aventura.
“Só de pensar que vou para o espaço em seis, sete meses, isso é uma loucura. Mas [essa demora] ajudou a convencer melhor a minha família a me deixar ir”, diz ele, em meio a risadas. Apesar das brincadeiras, ele diz que seus familiares apoiam seu sonho.
“Eu falei com o Richard Branson quando ele voltou da viagem que ele fez ao espaço [em 2021] e ele me disse que essa experiência é algo que só se pode entender viajando mesmo. É algo que muda toda a sua perspectiva.”
Em 2005, quando os primeiros bilhetes para o espaço foram vendidos, noticiou-se que os chamados “fundadores” — como Bernardo Hartogs — pagaram US$ 200 mil.
Hoje a Virgin Galactic vende o pacote de viagem — que dura 90 minutos — por US$ 450 mil (mais de R$ 2 milhões). A empresa diz que, apesar do preço alto, a demanda por viagens espaciais é alta, e mais de 800 pessoas estão inscritas.
Ao longo dos anos, outras empresas também entraram no mercado de turismo espacial.
A Virgin Galactic perdeu a corrida para levar passageiros pagantes ao espaço em 2021 para a Blue Origin, empresa do bilionário Jeff Bezos.
O multimilionário americano Dennis Tito se tornou o primeiro turista espacial do mundo pagando US$ 20 milhões (cem vezes mais do que o valor pago pelos “fundadores” da Virgin).
O fundador da Amazon tem um sistema de foguetes e cápsulas chamado New Shepard. É uma abordagem diferente do Unity, mas que faz essencialmente o mesmo trabalho de levar as pessoas a viagens curtas acima da atmosfera.
Agora, a entrada da Virgin Galactic no mercado marca uma nova era no turismo espacial, com voos regulares de mais empresas — além da Virgin e da Blue Origin, a Space X, de Elon Musk, também atua nesse mercado.
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