Boygenius: Elas apareceram na capa da revista “Rolling Stone” repetindo figurino e semblante do Nirvana. Posaram para o EP de estreia na mesma pose de Crosby, Stills & Nash. E escolheram um nome de banda para caçoar de homens confiantes além da conta, supostamente geniais.
O Boygenius surgiu a partir da amizade de três das cantoras mais talentosas do indie rock americano hoje. Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus se reuniram em 2018, quando saíram em turnê juntas, cada uma tocando as músicas de sua respectiva carreira solo. A convivência deu origem a uma banda, a um EP, a uma turnê, a um álbum e a uma segunda turnê.
Não se levar (tão) a sério é outro trunfo da banda. Talvez o correto seja que elas se levam a sério na medida certa: não se acham deusas do rock de arena (nada a ver com o classic rock populista do Foo Fighters) e não são “entertainers” acima de tudo (há bons recursos cênicos, mas não espere por um dueto com fantoche de fadinha como nos espetáculos do Coldplay).
A parte estética do Boygenius tem a ver com a ideia de ser despretensioso, mas nem tanto. Elas são uma banda de garotas que quer ser falada não por ser uma banda de garotas, mas talvez por ser a banda de rock mais interessante em atividade.
As camisas do trio, com alguns modelos esgotados e vendidos por cerca de R$ 170 cada em estandes com filas gigantes nos shows, zombam da identidade visual horrenda de bandas de rock pesado. Há logotipos clichês, fotos do trio com pose de má e apropriação de signos associados ao hard rock e metal mais old school, como carrões, estampam os produtos. Algumas fãs complementam o look com uma gravata. Revivem a moda skater girl antes associada a Avril Lavigne.
No Re:Set, festival em Nova York no meio de junho, o Boygenius foi o único headliner a esgotar os ingressos. Os outros dias tinham como atrações principais um projeto com quase 15 anos a mais de estrada (LCD Soundsystem) e um jovem artista com mais hits nas paradas americanas (Steve Lacy).
O negócio, definitivamente, não é buscar hits fáceis. Nenhuma das três parece disposta a largar carreiras solo e se dedicar apenas ao trio. O show tem músicas dos dois álbuns lançados e uma sequência, quase sempre no final, em que cada uma canta um single da carreira solo. Além das três, há uma banda de apoio em plataformas no fundo do palco, com baterista, baixista e dois tecladistas.
É o revezamento de vozes e de estilos de composição que torna a turnê do Boygenius, ainda sem previsão de vinda pelo Brasil, imperdível.
Baker e Dacus se tornaram amigas quando dividiram o palco, em 2016. Começaram a trocar e-mails e Baker acabou falando para a nova amiga que ela deveria conhecer Bridgers. Assim, as três se tornaram amigas e confidentes. Elas dizem ter problemas e questões parecidas, um dos motivos para resolverem compor juntas. As três se definem como parte da comunidade LGBTQIA+, sem dar detalhes sobre a vida pessoal.
Dacus foi criada em uma família adotiva bastante religiosa, com pelo menos quatro idas à igreja por semana. Esse passado está nas letras dela, sempre muito descritivas e sinceras. A mais roqueira talvez seja Baker. Ela tem a voz mais áspera das três e se recuperou da dependência de opioides. Com versos mais sarcásticos, Brigders é a mais famosa das três. É a única que veio ao Brasil: fez show solo no Primavera Sound e cantou com Lorde no mesmo festival. Além de Lorde, tem colaborações famosas com gente como Taylor Swift e Paul McCartney.
Há outros nomes famosos ligados às Boygenius. Hayley Williams, do Paramore, é uma das maiores fãs e disse que elas são “como as Vingadoras” da música. Kristen Stewart foi além dos elogios e trabalho com elas: dirigiu três clipes da banda.
Boygenius, ao vivo: devoção e melancolia
Ao vivo, há arranjos que ficam ainda mais pesados, embora técnicos de som americanos costumem operar com menos pressão sonora do que os brasileiros.
O show começa com luzes vermelhas, muita fumaça e moldura de correntes nas imagens do telão. São, de novo, referências óbvias ao inferno tão presente no visual dos grupos de rock pesado. A plateia, no entanto, estava dominada por gritinhos estridentes e mãozinha para cima no ritmo de “Satanist” (com letra que questiona se uma relação pode ser intensa demais: “você seria satanista comigo?”).
A angústia das letras combina com o peso, mas a base do som do Boygenius é indie folk rock melancólico. As projeções no telão, com um filtro na maior parte meio embaçado e granulado, mostram detalhes das cantoras: todas têm o mesmo destaque. “A gente cria dando moral uma para a outra. Todas nós somos protagonistas”, explicou Bridgers em entrevista à “Rolling Stone”, na reportagem com a tal capa homenageando o Nirvana.
A gritaria era tanta e tão intensa que às vezes era difícil ouvir os vocais delas. O fandom comemora cada início de música. Faz tudo parecer mais uma celebração da tristeza: ou melhor, da superação de momentos tristes. No palco ou na plateia, todo mundo dá a entender que está em paz com a melancolia, tanto que resolveu fazer uma festa para celebrá-la. Não é difícil encontrar alguém chorando (e depois rindo) durante o show.