A música “Sorte da porra”, cantada por Felipe Araújo, abriu de vez a porta para uma fase do “sertanejo desbocado”. Se antes os palavrões estavam aparecendo discretamente nas letras, agora foi parar até no título, mostrando uma nova tendência – que já era bem conhecida entre artistas do rock e do funk.
Nos últimos meses, faixas com expressões coloquiais sem censura têm figurado nos rankings das plataformas digitais. Algumas delas:
- Em “Meio Termo”, Luan Santana canta que a pessoa não quer um amor morno e diz que “ou ama pra porra ou porra nenhuma”,
- Em “Última Noite”, Felipe Araújo e Luan Santana juntam as vozes pra dizer que “hoje vai ter gente que falou que não ia ficar comigo, ficando comigo e ligando o foda-se”;
- Emplacando três na lista do sertanejo desbocado, Luan Santana participa da música de Clayton & Romário e o trio canta que “é foda saber que a gente é só um ex-casal agora” na faixa “Namorando ou Não”;
- Também reincidente na lista de músicas com palavrão, Felipe Araújo desencanou de vez e não economizou nem para o título. Em “Sorte da Porra”, ele canta que a parceira do sujeito tem uma “sorte da porra” que a boca dele não voa;
- Em “Torce o Olho”, Gusttavo Lima convida Hugo e Guilherme pra dizer que “não foi bom te ver chorar, foi foda demais”;
- Embora não seja tão recente, “Liberdade Provisória”, de Henrique e Juliano, foi uma das precursoras dessa fase. Lá no finalzinho de 2019, a dupla cantava que o sujeito da música “tava solteiro porra nenhuma”.
Felipe Araújo e a nova tendência
Em entrevista, Felipe Araújo, comentou que não escolheu gravar as duas músicas (“Última Noite” e “Sorte da Porra”) por causa do palavrão, e, sim, porque gostou delas.
“Mas o palavrão estava ali no meio. A gente poderia até ter mudado a palavra, principalmente na ‘Última Noite’, mas não achei nada que fizesse tanto sentido quando a palavra em questão”, disse o cantor.
Felipe acredita na tendência do sertanejo desbocado. “Tem muitas músicas saindo com alguns palavrões.” Mas apesar de ter duas faixas encabeçando a lista, cita que “sempre que der pra evitar, é melhor”. “A gente tem que ter essa responsabilidade também, porque são muitas crianças que ouvem nossas músicas. São crianças que as vezes crescem ouvindo a gente, se inspirando na gente.”
Opinião dos compositores
Compositor das duas músicas do “sertanejo desbocado” com Felipe Araújo como intérprete, Matheus Costa acredita que o uso do palavrão nas músicas “é algo que cada vez vai ficar um pouco mais normal”.
“Acaba que são palavras que estão no cotidiano, que as pessoas falam no dia a dia. Dentro de casa, na rua, entre amigos.” Dono de hits como “Na hora da raiva”, “Edinalva” e “Seu perfil”, Matheus diz que existe um cuidado para que o uso dessas palavras nunca tenha o sentido de ofensa. “É sempre bom ser colocado da forma certa, para não ficar uma coisa que agride ou que seja prejudicial a outra pessoa.”
Matheus atribui a era digital, que atinge um púbico mais jovem, como o fator que impulsionou a tendência de uma era mais desbocada no sertanejo. “Com a era digital, essas músicas começaram a performar muito bem. Então acho que foi um gatilho para se usar cada vez mais.”
Versão ‘light’ para as rádios
Apesar de palavrões estarem no cotidiano, quando vão para veículos como o rádio e a TV, as músicas ganham versões editadas. E não são apenas os palavrões que saem.
Felipe Araújo já precisou editar a música “Atrasadinha”, trocando a palavra “vinho” por “jantarzinho”. O verso original que diz “vamos pular a parte que eu peço aquele vinho do bom” se transformou em “vamos pular a parte que eu peço um jantarzinho bom”. “Última Noite” também já ganhou uma versão soft, trocando o “foda-se” por “hoje”.
Nas plataformas de streaming, como o Spotify, não há mudança nas palavras, mas a música vem acompanhada de uma etiqueta que identifica que a faixa contem “conteúdo explícito” (por isso, a letra “E” ao lado do nome de algumas canções).
Matheus conta que, às vezes, os compositores já deixam uma alternativa pronta. Ele atenta para o cuidado na hora da composição, porque dependendo da métrica dos versos, pode ser difícil achar uma palavra em substituição. “Se essa palavra cai numa rima, muitas vezes é difícil fazer essa troca por outra que fique bom.”
A história das músicas
Embora seja parte do novo álbum de Felipe Araújo, “Última Noite” foi composta na chácara de Luan Santana e deveria fazer parte do álbum “Luan City 2.0”, gravado em março de 2023. Na época, Matheus Costa, Lucas Ing, Matheus Di Pádua, Felipe Viana e Eliabe Quexin se reuniram para fazer um intensivo de composições para o disco do cantor.
“Luan gostou bastante de ‘Última Noite’, só que na reta final, eles decidiram que a ‘Meio Termo’ se encaixava mais no projeto.” Assim, o grupo ofereceu a música para Felipe Araújo. Eles, então, explicaram que Luan tinha gostado da faixa e, como Felipe já queria fazer uma parceria com Luan, o convite foi feito e aceito. “Saiu do Luan e voltou pro Luan”, diz Matheus, ao brincar sobre a faixa.
Já a “Sorte da Porra”, assinada por ele com Lucas Ing, Mateus Candotti e Thales Lessa, nasceu de uma ideia já pensada por um dos compositores. “O [Lucas] Ing queria falar sobre uma pessoa que queria achar alguém parecido, semelhante a ele. Porque ele já tava cansado de ser enganado e tudo. Então, ele queria alguém que fosse trouxa também.”
Mas será que o enredo nasceu com base na história de alguém? “Então… muitas vezes a gente vem baseado em uma história de alguém que tá sofrendo por isso, que tá passando por isso, né? Nesse caso, eu não sei se o Lucas já tava com essas questões sentimentais dele. Mas agora ele tá muito bem, tá namorando.”