“Depois de uma longa discussão à mesa, no dia do meu aniversário, ela se levantou e foi embora. Nunca mais nos falamos. Vivi um superluto. O rompimento foi tema da minha terapia até meses atrás”, relembra a designer e empresária Gabriela Fonseca, de 35 anos. Quem escuta a história de primeira, a associa ao fim de um longo namoro ou casamento. Mas a lembrança, das mais dolorosas, foi o término com a melhor amiga de infância, em 2018. “Descobri, na época, que tenho fibromialgia. Ela é adepta de tratamentos naturais, tomava ayahuasca, mas para mim, nada adiantou. Eu sentia muita dor. Quando comecei com a medicação, que deu ótimos resultados, ela foi contra e ficou brava”, relembra Gabriela.
Além das discussões constantes sobre o assunto, a amiga também duvidava do diagnóstico da designer. “Sonhava com ela. Me sentia culpada pelo rompimento, mas ao mesmo tempo, conviver com esse julgamento sobre algo tão importante, era impossível”, lamenta. Além da parceira e confidente, Gabriela perdeu também parte de sua rede de apoio e suporte emocional para problemas como a depressão e o afastamento do pai.
O psicólogo Rossandro Klinjey, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), diz que deixar de lado uma amizade significativa na maturidade é sentido com mais intensidade. “São relações baseadas em afinidades e valores compartilhados. Mas muita gente parece incapaz de manter um vínculo que exige aceitação das diferenças”, acredita. Para ele, a diversidade de pensamentos deveria enriquecer as relações, não desfazê-las. Caso contrário, corremos o risco de viver no isolamento. “O que contribui para o aumento da solidão observado globalmente. Dá pra dizer que o luto do fim de uma amizade é comparável ao da perda de um parente”, continua.
Dói mesmo. E a ciência pode comprovar. Há 86 anos, a Universidade de Harvard conduz o estudo científico “The good life” (“A boa vida”, em tradução livre) sobre quais seriam as razões para uma vida feliz e com propósito. Segundo o psiquiatra Robert Waldinger, supervisor atual da pesquisa, a motivação número 1 é ter amigos. Tê-los por perto mantém nossos corpos e cérebros mais saudáveis. “Amizade é lugar para se ‘encostar’, ‘reclinar’. Só nos reconhecemos porque pertencemos a algum grupo ou lugar, que dão significado à nossa vida”, diz a psicóloga Daniela de Oliveira, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Embora a tristeza seja inevitável quando dizemos adeus a alguém íntimo, nem sempre o rompimento é sinônimo de dor. “Com o tempo, entendi que foi libertação”, afirma a advogada Gabriela Guimarães, 36 anos. Ela colocou um ponto final na relação com a ex-melhor amiga, de mais de 20 anos, por entender que a amizade se tornou tóxica. Caminhar lado a lado já não fazia mais sentido. “Crescemos e estudamos juntas, sou madrinha do filho dela. Mas, de repente, começaram as cobranças, julgamentos por atitudes que eu tinha, como quando voltei com um ex-namorado. Ficou pesado”, explica ela. No início, conta, os amigos em comum até torciam por uma reconciliação. “Mas não tenho a menor vontade. É preciso normalizar que amizades acabam, situações mudam, e romper é necessário”.
E o que fazer quando, após tantos conflitos, parece sobrar apenas o vazio? “Aceitar a escolha do outro e entender que nem todo mundo é para nós, e nós não somos para todo mundo”, aponta a psicóloga Daniela de Oliveira. Por isso, lidar com a frustração, arrumar outros grupos de amigos e fazer terapia são ferramentas essenciais para sair dessa sem ferimentos graves. “A vida toma caminhos diferentes do que imaginávamos, a gente muda, e isso é bom. Para manter a sanidade, às vezes o afastamento é necessário”, fala a especialista. Que seja eterno enquanto dure, desde que ninguém se machuque.