Em uma cerimônia marcada pela simbologia da vida e da morte, o casal Healing e Heryck oficializou sua união no último domingo (3), no Cemitério da Saudade, em Sumaré (SP). Ao som de atabaques e rodeados por lápides e cruzes, os noivos celebraram o que pode ser considerado um casamento fora do convencional, desafiando normas e tradições.
Healing, de 38 anos, mãe de santo e líder do terreiro Rosa Caveira e Maria Padilha, em Hortolândia (SP), explicou a escolha do cemitério como cenário para o evento, afirmando que, para ela, o cemitério não representa o fim, mas um ponto de recomeço. “Eu já me sinto ali. Para mim, o cemitério é onde a gente se reinventa. A morte não é o fim, é um novo começo”, disse, destacando o simbolismo profundo da morte em sua prática espiritual.
O casamento foi organizado em poucos dias, com cerca de 30 convidados presentes. Durante a cerimônia, as cores vermelho e preto dominaram, refletindo a identidade da religião que o casal segue. O altar, montado entre as lápides, foi enfeitado com imagens de Rosa Caveira e Exu Caveira, entidades que regem o terreiro. A cerimônia foi conduzida por Jhefrey, filho de Healing e pai de santo do terreiro, que emocionou-se durante os votos, trocados entre os noivos ao som de cânticos e atabaques.
Umbanda Independente
O casal se identificou como praticante de uma “Umbanda independente”, um termo usado para descrever a linha de trabalho do seu terreiro, que foge das convenções mais comuns da religião. Healing explicou que, ao contrário dos casamentos tradicionais dentro da Umbanda, que geralmente acontecem em cachoeiras ou em tons de branco, sua essência pede que a cerimônia ocorra em um cemitério e com as cores preto e vermelho, que para ela são representativas de sua conexão com as entidades. “Eu sou filha de Rosa Caveira, e a minha essência é muito ligada a esse lado”, explicou.
Além de sua atuação como mãe de santo, Healing também é conhecida nas redes sociais como “rainha da feitiçaria”, onde compartilha ensinamentos sobre magia e espiritualidade, além de realizar trabalhos espirituais solicitados por seus seguidores. Ela compartilha frequentemente simpatias e feitiços, com destaque para os trabalhos amorosos, de abertura de caminho, e até de separação.
Controvérsia e Diversidade Religiosa
Embora a religião do casal se autodenomine “Umbanda independente”, essa nomenclatura não é reconhecida por todas as vertentes da Umbanda tradicional. A Associação Umbandista e Espiritualista do Estado de São Paulo (Aueesp) não reconhece a prática como parte da Umbanda, argumentando que a religião fundada em 1908 segue uma única linha, voltada para a prática do bem e da caridade. Para os praticantes mais ortodoxos, a diversidade de rituais e práticas dentro da Umbanda não justifica a criação de subcategorias, como a chamada “Umbanda independente”.
Apesar das críticas, a diversidade religiosa dentro da Umbanda é amplamente reconhecida, especialmente por aqueles que praticam a religião fora das convenções. João Galerani, membro do Conselho Religioso da Associação das Comunidades Tradicionais de Matriz Africana de Campinas e Região (Armac), afirmou que a Umbanda, por não ter uma estrutura centralizada ou um livro sagrado, permite diversas vertentes, desde que as práticas estejam enraizadas nos princípios de caridade e respeito.
A cerimônia no cemitério, embora inusitada, reflete a liberdade religiosa e a singularidade de cada prática espiritual. Healing e Heryck, ao escolherem esse cenário pouco convencional, não apenas celebraram a união, mas também reforçaram sua conexão com suas entidades e a crença de que, para muitos, a morte é apenas um novo começo.
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