Febre alta, dor de cabeça forte, dor atrás dos olhos, vômitos, manchas vermelhas na pele — uma lista de sintomas clássicos da dengue, porém, mesmo com esses sinais evidentes, o teste para o vírus transmitido pelo Aedes aegypti pode sair negativo. Por quê?
Segundo o médico infectologista formado pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Sidnei Bertholdi, que atua na Santa Casa de Piracicaba (SP), vários fatores podem influenciar um exame de dengue. Para começar a entender o porquê existem os falsos negativos, é preciso compreender que:
- Existem diferentes tipos de testes;
- O dia no qual o teste é realizado faz diferença;
- O fabricante do teste pode influenciar.
Em Piracicaba, até sexta-feira (26), foram confirmados 10.414 casos de dengue em 2024 e cinco mortes. Apesar do número ser um dos piores desde os anos 2000, ainda existe a possibilidade de subnotificação, tanto pelos falsos negativos quanto pela falta de procura por atendimento médico.
É o que explica o patologista clínico, especialista em exames laboratoriais, responsável pelo laboratório do Centro Médico de Campinas (CMC) e pelo Laboratório Municipal de Campinas (SP), Fábio Tambascia.
“Tem muita gente que nem exame faz. Felizmente, a maioria das pessoas que têm dengue desenvolvem a forma clássica da doença, que não é a forma mais grave. Sem menosprezar os sintomas, a pessoa fica derrubada, precisa de hidratação e cuidados médicos, mas em dez dias, normalmente, o paciente já está melhor”, diz.
Quais são os Testes de Dengue?
Segundo o infectologista Sidnei Bertholdi, da Santa Casa de Piracicaba, o tipo de teste utilizado para o diagnóstico faz toda a diferença. “Geralmente, em pronto atendimentos, está disponível um ‘teste rápido de dengue’ e, dependendo do teste, a informação dada é diferente”, afirma.
O especialista em exames laboratoriais Fábio Tambascia explica que existem três tipos diferentes de testes para dengue:
- O PCR: essa técnica usa uma metodologia biomolecular e amplia uma região específica de DNA. A partir dessa ampliação, é possível detectar diversos vírus e até mesmo bactérias que podem provocar doenças. No entanto, essa é uma tecnologia mais cara e não tão utilizada para o diagnóstico de dengue.
- O NS1: este tipo de exame enxerga uma partícula do vírus da dengue — o antígeno NS1 — que pode ser detectado do 1º ao 5º dia desde o início dos sintomas. Ele é um tipo de teste rápido que é disponibilizado em pronto atendimentos.
- Sorologias IgM/IgG: esse exame avalia os anticorpos produzidos pelo sistema imunológico a partir da infecção provocada pelo vírus. “O IgM é o primeiro anticorpo que surge, que é o anticorpo de fase aguda, e o IgG, é o segundo, é o anticorpo de fase tardia”, explica Tambascia.
Quando Devem ser Feitos os Testes de Dengue?
Além do tipo de teste realizado, outro fator de extrema importância é a data da realização do exame:
O antígeno NS1, como já dito no tópico acima, pode ser encontrado até 5 dias após o início da doença. “Se passou de cinco dias, nem adianta pedir mais o NS1, tem que partir para a sorologia”, afirma Tambascia. Já em relação às sorologias, também há uma janela específica para cada anticorpo detectado pelo exame:
O anticorpo do tipo IgM pode ser encontrado no “meio” da doença, do 6º ao 9º dia de sintomas; Já o anticorpo do tipo IgG, que é uma espécie de antígeno tardio, fica para sempre no corpo da pessoa após a doença. Ele pode ser detectado mesmo após o fim da doença.
“O exame certo precisa ser feito no dia certo: até o quinto dia de doença, há uma alta carga de vírus circulante, o que coincide com a fase febril da doença. O exame de escolha é o NS1. Após o quinto dia, já reduz a carga viral e houve tempo do corpo desenvolver uma resposta, portanto o exame adequado é a sorologia IgM / IgG. O médico deve saber indicar e interpretar corretamente o exame.”, resume o infectologista Bertholdi, da Santa Casa de Piracicaba.
Por que Existem os Falsos Negativos?
Segundo Tambascia, todos os exames têm a possibilidade do falso negativo. E isso ocorre por dois motivos: a sensibilidade e a especificidade do teste.
“Sensibilidade é o quanto ele é sensível de dar positivo, caso o resultado seja, de fato, positivo”, diz. Em outras palavras, é a capacidade do exame em detectar um vestígio da doença.
Um possível impacto na sensibilidade do exame é o fabricante do teste, como esclarece o infectologista Bertholdi da Santa Casa.
“A depender da marca do kit, os testes disponíveis têm uma sensibilidade e um desempenho diferente”, afirma. “Esse fator é menos importante, porque geralmente exige-se um alto padrão de qualidade antes do kit ser comercializado”.
A especificidade, por sua vez, é a capacidade do mesmo teste ser negativo nos indivíduos que não apresentam a doença que está sendo investigada.
Já os falsos negativos podem ocorrer principalmente quando a amostra é analisada fora das datas específicas de cada exame. E isso ocorre porque a carga viral do paciente vai diminuindo ao longo dos dias.
“Em alguns casos, o paciente coleta o NS1 muito no começo dos sintomas, quando ainda não tem carga viral suficiente, ou coleta depois, no 5º ou 6º dia, quando o vírus já não está mais circulante”, explica o especialista em exames Tambascia.
O que Fazer em Caso de Sintomas Clássicos e Teste Negativo para Dengue?
O infectologista da Santa Casa de Piracicaba explica que em situações de epidemia e milhares de casos confirmados, um caso muito suspeito deve receber o mesmo tratamento de um caso confirmado, mesmo com exame negativo.
Ou seja, é necessário seguir a avaliação médica independente do resultado do teste, até porque existem condutas que podem piorar muito o quadro de dengue.
“Um paciente com dengue que recebe um resultado negativo e usa medicações contra-indicadas como anti-inflamatórios, fica sob maior risco de sangramento e outras complicações se evoluir para a forma grave da doença”, alerta Bertholdi.